A “directiva do retorno” no JN
10 July 2008
O JN tem assegurado pormenorizada cobertura do debate sobre a Directiva do Retorno, a que se juntou hoje um artigo de opinião que redigi e que republico aqui, “desgralhado” (Estado com maíscula, etc).
«Graças a um compromisso alcançado no Conselho JAI e no Parlamento Europeu, foi aprovada e vai a caminho de publicação no Jornal Oficial, a directiva do Parlamento Europeu e do Conselho “relativa a normas e procedimentos comuns nos estados membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situarão irregular”.
Para muitos Estados-Membros, a “directiva do retorno” implicará significativas alterações do regime legal vigente. No caso de Portugal, tal necessidade não existe, dado o teor da nova Lei de Estrangeiros, aprovada em 2007, que já assegura aos imigrantes em situação irregular direitos superiores àqueles que agora foram fixados a nível comunitário.
A batalha pela harmonização de regimes foi longa, nunca isenta de polémica Não acabou: vai continuar, dada a grande diferença de situações nos Estados e de opiniões sobre o tema nas famílias políticas europeias.
É um erro ver a directiva como o “fim da história”. É a directiva possível, não a directiva óptima, nem “eterna”. O Governo, na Presidência Portuguesa e depois dela, bateu-se por melhorias do texto (prioridade ao regresso voluntário, proibição de repelir requerentes de asilo, concessão de período de partida voluntária com possibilidade de extensão, limitação do recurso a medidas coercivas, vias de recurso, assistência linguística e jurídica, unidade da família, cuidados médicos de urgência, educação de menores, consideração das necessidades de pessoas vulneráveis, garantias materiais e formais para o recurso à prisão preventiva, etc).
Não guardámos silêncio. Fomos explicando tudo publicamente. Se o consenso não tivesse esbarrado com objecções inamovíveis de Estados com regimes muito distintos do vigente em Portugal, teríamos hoje um instrumento mais aperfeiçoado e logo muito mais imune a críticas. Não tendo tal sido possível, a “alternativa” teria sido abortar o texto de compromisso – ainda antes de ser submetido ao PE – e reencetar o processo na nova legislatura, em 2009. Consequência: manter vigentes durante muitos (muitos!) meses a disparidade de regimes hoje existente.
Ora, as disparidades são chocantes. O consenso que permitiu, por exemplo, fixar regras de detenção de pessoas em situação irregular é preferível à manutenção do quadro actual, em que a detenção é autorizada:
– por prazo ilimitado: Grã-Bretanha, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Grécia, Irlanda, Malta, Holanda, Suécia;
– mais de 18 meses: Letónia, 20 meses.
– 18 meses, no máximo: Alemanha;
– entre 6 e 12 meses: Hungria, Lituânia, Polónia, Bélgica;
– 6 meses, no máximo: Áustria, República Checa, Eslováquia, Eslovénia;
– entre 2 e 3 meses: Portugal e Itália (2 meses), Luxemburgo (3 meses)
– 40 dias: Chipre e Espanha;
– 1 mês, no máximo: França.
A directiva humaniza legislações mais severas e não obriga os Estados com regimes mais favoráveis a endurecer as suas normas. É o primeiro diploma de natureza horizontal do acervo comunitário que harmoniza de forma sistemática as normas dos Estados-Membros, impondo uma interpretação comum de conceitos importantes (como “regresso”, “afastamento”, “risco de fuga”, “prisão preventiva”, “interdição de entrada”, “pessoa vulnerável”, etc), limitando o poder discricionário dos Estados-Membros. Passarão também a ser aplicáveis os mecanismos comunitários de controlo para garantir a compatibilidade com o acervo (procedimentos de infracção, competência do Tribunal de Justiça, relatórios da Comissão, controlo do PE, etc).
A harmonização mais ambiciosa no futuro fica em aberto (vide http://opiniao.mai-gov.info/)
Finalmente, o retorno, voluntário ou não, deve ser encarado não de forma isolada, mas como parte integrante e necessária de uma política comunitária global de imigração e asilo.
A preocupação de eficiência não deve nascer e acabar no domínio da imigração ilegal. Donde a importância das directivas sobre migração legal propostas durante a Presidência Portuguesa (cartão azul e direitos dos migrantes) e a propor em 2008 (trabalhadores sazonais, transferência de trabalhadores dentro das empresas e estagiários remunerados).
A transposição atempada da directiva por parte de quem não quis mais nem melhor é cheia de dificuldades. Unamos forças para essa dura luta.
JM